Anticoncepcional: vilão ou mocinho?
Relatos de mulheres nas redes sociais têm incentivado outras usuárias de anticoncepcional pararem de ingerir o contraceptivo oral. De acordo com ginecologista, risco de fenômenos trombóticos é raro. Ele ainda alerta que, assim como qualquer medicamento, a pílula apresenta vantagens e desvantagens e tudo deve ser pesado pelo médico antes de ser receitado para a paciente

Segundo dados de 2014 da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), 100 milhões de mulheres usam pílulas anticoncepcionais ao redor do mundo. No entanto, esse cenário tem mudado com o relato de algumas usuárias que trazem à tona os perigos do uso de contraceptivos hormonais. A história de Juliana Pinatti Bardela, natural de Jundiaí (SP), contada por ela mesma em seu perfil no Facebook, em agosto de 2016, por exemplo, viralizou nas redes sociais e serviu de alerta para mulheres que usam a pílula.
A jovem descobriu uma trombose venosa cerebral após fazer uso durante cinco anos de anticoncepcional. Passou três dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 15, ao todo, internada no hospital. Relata que não tem histórico familiar, nem fuma. Os exames de sangue estavam normais, e não havia predisposição a ter trombose.
"Não sou contra a pílula, acredito que ela traga benefícios sim, mas sou contra a negligência de se receitar anticoncepcional indiscriminadamente sem informar adequadamente seus riscos, e da própria negligência de tomar um medicamento durante tantos anos sem desconfiar que poderia ser prejudicial e poder levar até mesmo à morte", explicou a jovem.
Sara Soares, de 26 anos, decidiu parar de tomar a pílula após uso contínuo de oito anos. A cearense, que é psicóloga, já viu de perto alguns casos de mulheres que tiveram embolia pulmonar devido ao uso do medicamento, pois trabalha em um hospital de Fortaleza.
Ela contou que começou a tomar o anticoncepcional com o objetivo de contracepção, por isso se sentiu independente para parar de tomar o remédio sem pedir orientação da médica que lhe acompanha. "Se tivesse ovários micropolicísticos, por exemplo, talvez tivesse começado de outra forma. Já marquei minha ginecologista para discutir sobre a pausa e fazer alguns exames. Se meus exames não mostrarem alterações significativas no meu organismo e ela, ainda assim, insistir que eu continue o uso do remédio, mudarei de médica. Enquanto isso, estou buscando outras formas de cuidado".
Transição
O período de transição ao qual se refere são as mudanças que seu corpo está passando, como a volta da libido e a redução do inchaço, "sintomas" que ela e muitas outras mulheres relatam. "Também consegui prestar atenção nos sintomas que se manifestam quando estou próxima da ovulação e do período menstrual. Foi um período importante, de redescobertas e de reaproximação com meu corpo. A partir do segundo mês, os efeitos colaterais negativos devido à suspensão da pílula começaram a aparecer, como a acne. Na minha adolescência, antes do uso do medicamento, nunca tive problemas com acne, enquanto tomava o remédio muito menos. Hoje, no entanto, minha pele está mais oleosa e minhas costas, principalmente na parte posterior dos ombros, estão com espinhas grandes e doloridas", conta. Ela confessa que isso mexeu com sua autoestima e reforça que o apoio recebido em grupos de redes sociais ajudou neste momento.
Orientação médica
O professor de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal do Ceará (UFC) Leonardo Bezerra alerta que parar o uso do contraceptivo oral sem acompanhamento médico não é indicado. Ele alerta que as chances da mulher ter um fenômeno trombótico devido ao uso contínuo de anticoncepcional é de 0,001%.
"O uso do remédio sempre esteve associado ao risco de fenômenos trombóticos na mulher. A trombose consiste na obstrução de um vaso, seja ele artéria ou veia, e era muito mais comum no passado, quando se fazia uso de anticoncepcionais de doses bem mais elevadas das que habitualmente se usa hoje. Nos anos 1960, por exemplo, o medicamento chegava a ter doses até 10 vezes maiores das utilizadas atualmente. Entretanto, dos anos 1990 pra cá, a dose habitual do anticoncepcional diminuiu bastante e o risco de desencadear fenômenos trombóticos também diminuiu consideravelmente".
O ginecologista faz questão de ressaltar que nenhum médico prescreve uma medicação sem ponderar sobre vantagens, desvantagens, riscos e benefícios. "Falar exclusivamente de perigos rotula qualquer tipo de medicação, principalmente o anticoncepcional, e deixa de lado as vantagens e as grandes conquistas que a humanidade, a mulher e o gênero feminino obteve desde os anos 60 com o uso da pílula", ressalta o ginecologista para o perigo dos grupos nas redes sociais, que alertam apenas sobre os perigos do remédio.
Sara, por sua vez, traz à tona os pontos positivos de relatos em plataformas como Facebook. "Finalmente as mulheres estão compartilhando suas histórias de vida e sua relação com o anticoncepcional de forma mais aberta. Muitas pessoas que conheço, ao relatar problemas como trombose, contaram que anteriormente achavam que isso nunca aconteceria com elas. No entanto, aconteceu. É uma forma de reavaliar o uso da pílula na sociedade e também de se pensar em outros métodos de contracepção menos agressivos", conta.
Além das pessoas que conheceu na internet, a psicóloga diz que o apoio do marido foi fundamental na nova fase. "Inclusive quando eu me sentia insegura sobre a pausa e cogitava voltar a tomar, ele reforçava que tínhamos tomado essa decisão juntos visando à minha saúde e ao meu bem-estar, e, consequentemente, isso influencia positivamente o nosso relacionamento".
Sintomas
Leonardo Bezerra alerta que um dos mitos que rondam o anticoncepcional é que o medicamento está associado ao risco de infertilidade. De acordo com ele, isso não é verdade. "O que acontece é que muitas mulheres usam o anticoncepcional até as idades de 35 ou 40 anos e quando tentam engravidar, após suspender o medicamento, apresentam dificuldade. O obstáculo, no entanto, está relacionado à idade tardia com que se parou o uso da pílula. Não existe, portanto, nenhuma relação do uso crônico com redução de fertilidade", pontua.
O ginecologista ainda ressalta que as mulheres devem procurar assistência médica em caso de sintomas relacionados ao aumento de pressão arterial, dor de cabeça súbita, alteração na visão ou de coloração da pele. "É raro, porém, podem ainda acontecer picos hipertensivos e alteração do nível pressórico. O fenômeno trombótico mais comum que pode acontecer está associado à trombose venosa profunda de membros inferiores. O sintoma que deve ser alertado é inchaço súbito e intenso da perna ou falta de ar súbita que pode está associado à embolia pulmonar. Esses eventos são graves e precisam ser comunicados imediatamente ao médico que orientou e à paciente".
Fonte:diariodonordeste.
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