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Prisões de atiradores esportivos criam polêmica com policiais

A Federação Cearense de Tiro Tático (FCTT) diz que as detenções foram ilegais. A Polícia Rodoviária Federal (PRF) rebate que alguns atiradores esportivos querem portar a arma de fogo em qualquer trajeto


A posse e o porte de arma de fogo pela sociedade civil são questões polêmicas, discutidas em todo o mundo. No Ceará, as prisões de três atiradores esportivos, em um intervalo menor que dois meses, neste ano, criaram uma polêmica sobre o porte da arma, envolvendo Federação Cearense de Tiro Tático (FCTT) e agentes das Forças de Segurança do Estado.
As três detenções foram realizadas em abordagens em estradas, pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), entre maio e junho. O presidente da FCTT, André Azevedo, acredita que a Polícia não tem poder de avaliar a legalidade do porte de arma de fogo por colecionadores, atiradores esportivos ou caçadores (CACs), o que caberia ao Exército Brasileiro (EB).
Na visão de Azevedo, o armamento deve ser apreendido apenas quando os CACs não apresentam a Guia de Tráfego (GT), documento que foi encontrado nos veículos dos suspeitos capturados. Para o presidente da FCTT, os policiais efetuaram as detenções porque não conhecem a lei. "Em nenhum dos casos, eu soube que a documentação estava vencida. Mesmo se fosse, ainda não configura um crime. Ninguém matou, vendeu munição, assaltou ou deu tiro em via pública", defendeu o atirador.
O agente do Núcleo de Operações Especiais da PRF, Davi Rangel, afirma que os critérios utilizados em abordagens da Instituição são impessoais, e não voltados para grupos específicos. "O que ocorre é que, por vezes, eles (CACs) usam esse argumento, interpretando que podem fazer qualquer trajeto. Se você pode andar com ela municiada em qualquer lugar, considera-se que o uso pode ser irrestrito, e isso não é verdade", rebate.
A Portaria Nº 28, decretada pelo Comando Logístico do Exército Brasileiro no dia 14 de março de 2017, estabelece que o transporte de uma arma de fogo, pertencente ao acervo de tiro desportivo e municiada, deve ser feito do local de guarda (geralmente, a residência do CAC) para os clubes de treinamento e competição. Conforme o documento, caso o dono do armamento esteja em uma localidade oposta a esse percurso, caberá à autoridade policial avaliar a compatibilidade do trajeto do atirador e tomar as providências cabíveis.
Questionada sobre o assunto, a 10° Região Militar (RM) do Exército Brasileiro (responsável pelos estados do Ceará e do Piauí), por meio da assessoria de imprensa, reforçou que é atribuição da Segurança Pública colaborar na fiscalização do comércio e do tráfego de produtos controlados pelo EB.
Já a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), em nota, afirmou apenas que "as Polícias Civil do Ceará (PCCE) e Militar do Ceará (PMCE) possuem o dever legal de inibir ações delituosas de qualquer natureza, inclusive o porte e a posse ilegal de arma de fogo". Tanto a SSPDS como o Exército não aceitaram conceder entrevistas presenciais acerca do tema.
O presidente da Comissão de Direito Penitenciário da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE), Márcio Vitor Albuquerque, analisou, com base na Lei, que todas as polícias podem atuar na prisão de colecionadores, atiradores esportivos e caçadores, como também na apreensão do material que eles portam: "Elas têm competência para isso, sim. A pessoa tem que estar legalizada. Caso não esteja, pode haver enquadramento administrativo e criminal".
Ofício
Antes mesmo das três prisões em sequência, a FCTT já havia procurado a SSPDS para demonstrar o seu posicionamento quanto ao porte de arma de fogo pelos CACs, em um ofício enviado em abril deste ano. No documento, a Federação pediu à Secretaria permissão para que materiais referentes à Portaria Nº 28 do Exército fossem divulgados e fixados nas delegacias da Polícia Civil e nos quartéis da Polícia Militar e distribuídos aos profissionais da Segurança Pública.
O secretário-adjunto da SSPDS, Alexandre Ávila, deferiu o pedido e solicitou, à Delegacia Geral da Polícia Civil, que fosse enviado um comunicado a todas as unidades da Instituição. Ainda assim, os atiradores esportivos foram autuados por porte ilegal de arma de fogo, nas delegacias.
André Azevedo acredita que, por conta do Estatuto do Desarmamento, existe uma "demonização" do uso de armas de fogo no Brasil e que, por isso, os CACs estão sendo presos ilegalmente. "A forma como as polícias está nos tratando, nos prendendo, como se fôssemos bandidos, é um problema. Nós estamos tendo problemas com a Polícia Rodoviária Estadual (PRE) e com a Polícia Rodoviária Federal. Os delegados não aguentam a pressão feita pelos policiais e, por medo de serem denunciados na Controladoria Geral da Disciplina (CGD), nos prendem, cidadãos de bem", critica o presidente da FCTT.
Premiação
Com o decreto Nº 27.955, de 2005, o Governo do Ceará instituiu um sistema de premiação financeira aos policiais civis e militares que apreendem armas de fogo, acessórios e munições. Para cada carabina, espingarda, revólver ou fuzil apreendido, é pago R$ 100 ao profissional da Segurança; já a cada pistola capturada, dependendo do calibre, os servidores públicos são beneficiados com R$ 100 ou R$ 200.
O instrutor de armamento e tiro, Rafael Santos, acredita que as prisões dos CACs, bem como a retenção das suas armas de fogo, são frutos de interesse financeiro dos policiais. "A legislação bonifica e estimula as equipes policiais a apreenderem armas de fogo. Ela é benéfica para diminuir a 'bandidagem', mas é mal feita, pois fala apenas em situação irregular. É muito subjetiva", opinou.
Um PM, que preferiu não se identificar, afirmou que "toda forma de incentivo é válido", mas ponderou que a premiação extra do Estado não é determinante para o trabalho policial. "Dependendo do comandante, existem outros incentivos, como folga, para apreensão de armas ou drogas. Vejo os colegas mais motivados quando ocorre essa concessão da folga, pois o dinheiro da gratificação é pouco: quando é dividido com toda a composição, o valor chega a ser 50 reais para cada policial. E o recebimento de tal valor pode demorar mais de um ano", revela.

10ª Região tem mais de 9 mil registros

A 10ª Região Militar do Exército Brasileiro (EB), que engloba Ceará e Piauí, informou que existem 9.346 colecionadores, atiradores esportivos ou caçadores (CACs) com Certificado de Registro (CR) em situação válida, na circunscrição. A Instituição afirmou que não possuía números individuais de cada Estado.
O número de CACs tem aumentado nos últimos anos na 10ª Região Militar. Entre 2013 e 2017, 4.252 interessados obtiveram o CR, segundo o Exército. Enquanto nos últimos 15 anos, apenas 827 registros foram cassados pela entidade. Os motivos da cassação foram Certificado vencido, violação das normas ou cometimento de infração que atenta contra a idoneidade.
Para se tornar um CAC, o Exército exige que a pessoa esteja filiada a um clube de tiro e apresente laudos psicológico e técnico que comprovem capacidade em manuesear uma arma de fogo. O Serviço de Fiscalização de Produtos Controlados (SFPC), setor do EB, é encarregado de realizar inspeções frequentes no local de acervo.
A Portaria Nº 51, decretada pelo Comando Logístico do Exército Brasileiro no dia 8 de setembro de 2015, estabelece que a quantidade de armas de fogo e de munições que cada CAC poderá adquirir é definida pelo nível que ele possui, conforme as suas participações em competições nacionais e internacionais. Para o transporte do equipamento, o atirador deve portar três documentos: Guia de Tráfego (GT), Certificado de Registro de Arma de Fogo (CRAF) e documento de identificação.
O policial rodoviário federal Davi Rangel afirma que os CACs devem cumprir à risca o que está descrito na Guia de Tráfego, durante o transporte do armamento. "Se disser que pode carregar 300 munições e estiver com 500, ele estará em desacordo com a lei. E se estiver diferente, vai ser preso", concluiu Rangel.
Morte
O descumprimento das determinações do Exército, por um atirador esportivo, teve o desfecho trágico. Um empresário, que possuía porte de arma de fogo, foi morto por engano por um policial militar, na Avenida Mister Hull, em Fortaleza, em maio de 2016.
Uma fonte ligada às investigações do caso contou que Felipe Araújo Machado, com 28 anos, visualizou uma tentativa de assalto a uma motocicleta e tentou ajudar a vítima, que era um PM à paisana.
Outro policial militar à paisana, que passava pelo local, viu Felipe sacar a arma e pensou que se tratava de um assaltante. O militar disparou um tiro que atingiu a nuca do empresário, que morreu no local.
O PM que atirou e os assaltantes fugiram. A investigação da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, identificou que o tiro fatal foi dado pelo policial, através de imagens gravadas por câmeras de monitoramento.

Fonte:DN

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