PM recebe denúncias de crimes, não age e cita decisão do STF que proibiu operações
No último dia 9 de junho, o chefe da Companhia Destacada da PM em Maricá, Região Metropolitana do Rio, informou a seu superior, comandante do 12º BPM (Niterói), sobre crimes ocorridos na região no fim de semana anterior. Segundo o informe, bailes funk “atraíram marginais de outras localidades que, ao término dos eventos, realizaram roubos, ocorrendo ainda a execução de dois homens que estavam no baile”. Mesmo sabendo dos crimes, a PM nada fez, segundo o mesmo relato: “Cumprindo a determinação do STF, o efetivo não adentrou aos locais, com fito de não colocar em risco a população”.
Documentos internos da PM obtidos pelo EXTRA revelam que a corporação usa a decisão liminar do ministro Edson Fachin, do dia 5 de junho, que proibiu operações policiais no Rio, como justificativa para cruzar os braços. Desde a publicação da determinação, pelo menos três batalhões e uma UPP não agiram, mesmo tendo informação de crimes que ocorriam ou estavam na iminência de ocorrer, e explicaram, por escrito, que o motivo era a proibição.
Fachin, entretanto, permite operações em favelas em “hipóteses absolutamente excepcionais” — nesses casos, a corporação deve justificar a necessidade da ação ao Ministério Público (MP). Cercos, blitzes e capturas fora das comunidades seguem permitidos.
Se em Maricá a decisão de Fachin foi usada como justificativa para a PM não reprimir crimes em bailes funk, na semana seguinte o comportamento da PM foi outro: em 13 de junho, os batalhões de Choque e de Operações Especiais fizeram uma operação no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, para impedir a realização de um baile que comemoraria o aniversário de um traficante. Ao MP, a corporação informou que recebeu informações sobre a presença de chefes do tráfico na favela.
Nem informações sobre iminentes confrontos entre facções motivaram ações da PM. Em Japeri, na Baixada Fluminense, o comandante do batalhão informou a seus superiores que traficantes “estariam planejando invadir a comunidade do Guandu” e alegou que não fez incursão na favela “considerando a decisão do STF”. O oficial chegou a pedir reforço a seu superior imediato para cercar a comunidade, mas não teve resposta.
Na última quarta-feira, quando traficantes invadiram a Praça Seca, na Zona Oeste, e expulsaram milicianos, o próprio porta-voz da PM, coronel Mauro Fliess, chegou a dizer: “Sob uma decisão do STF que iremos cumprir na íntegra, uma ação preventiva acabou prejudicada na noite de hoje”. Após a madrugada de tiroteios, a PM ocupou a região.
Após liminar, operação para tirar barricada
Em 18 de junho, duas semanas após a decisão de Fachin, o 9º BPM (Rocha Miranda) e o 14º BPM (Bangu) fizeram uma operação conjunta na Serrinha, em Madureira, na Zona Norte, para retirar barricadas. Durante a ação, PMs e traficantes entraram em confronto, e o tenente Cleiton da Costa Sales foi morto. Na ocasião, a corporação alegou que a ação se encaixava na definição de “excepcional” citada por Fachin na decisão: segundo a PM, “a operação foi previamente planejada, sendo adotadas as medidas previstas na decisão do STF”.
Em 3 de julho, duas semanas após a morte, a posição da PM mudou. O 14º BPM, unidade em que o tenente Sales era lotado, recebeu, da Comlurb, uma solicitação de apoio para uma ação de limpeza urbana na favela do Batam, em Realengo. O comandante da unidade pediu uma posição do chefe do Comando de Policiamento de Área, seu superior: “trata-se de área classificada com ‘sensível’, havendo a possibilidade de confronto armado”. Dessa vez, a operação não foi autorizada: “Este comandante não é a favor do apoio do 14º BPM, mas no caso de ocorrer uma excepcionalidade, o comando do 14º BPM está autorizado a intervir”, escreveu o coronel Wilman René Alonso.
Ações com autorização do comando
Até agora, mais de um mês depois da decisão de Fachin, a PM não publicou em seu boletim interno nenhuma instrução sobre que tipo de situação considera “excepcional” e como decidir as ações necessárias nesses casos. Questionada, a corporação alegou que “após a edição da liminar do STF, a realização de operações em áreas conflagradas passou a estar subordinada à autorização do comando da corporação, a quem cabe avaliar o caráter excepcional previsto na decisão da Justiça”. Segundo a nota enviada pela assessoria da PM, a orientação foi comunicada a todos os comandantes de batalhão e vale até a decisão ser revogada.
Já a Defensoria Pública do Rio, que assina o pedido ao STF para a interrupção das operações durante a pandemia de coronavírus, entende que situações excepcionais são aquelas em que há vidas em risco. “A atuação policial para preservação da vida e da integridade de pessoas, tais como impedir ataques violentos de grupos criminosos e prestar socorro, não estão proibidas pela decisão”, diz.
Policiais fazem operação no Complexo da Serrinha pelo segundo dia seguido Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo
Jacqueline Muniz, antropóloga e professora da UFF, que defende a decisão de Fachin, afirma que, no Rio, “as operações policiais se vulgarizaram”:
— O policiamento convencional foi substituído pelo espetáculo das operações. As operações especiais deveriam ser uma excepcionalidade, como são em qualquer parte do mundo.
Definição
Uma Instrução Normativa de 2018 da extinta Secretaria estadual de Segurança define o que é operação policial: “conjunto de ações que necessitem de mobilização extraordinária, executadas de forma planejada, dirigida, organizada, coordenada, monitorada e controlada, em ocasiões programadas ou em resposta a situações emergenciais”.
Ações de patrulhamento cotidianas, como as realizadas por policiais de UPPs nas favelas, não são consideradas pela PM operações.
No último dia 26, os ministros do STF começaram a avaliar se a liminar de Fachin será mantida. Por enquanto, já votaram Fachin, Marco Aurélio Mello e Ricardo Leandowski — todos a favor da prorrogação da suspensão das operações. A votação será retomada em 7 de agosto, quando acaba o recesso da Corte. Até lá, vale a liminar. As informações são do Extra )
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