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'PixTinder': paquera via transferência bancária pode ser risco para usuários; entenda

 

Jovens são o público que mais usa a ferramenta para esta finalidade Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

Subvertendo a lógica do sistema financeiro, o Pix — criado como meio de pagamento instantâneo e transferências e sem custos — vem sendo cada vez mais usado como plataforma de envio de mensagens informais e de relacionamento. Fazendo transferências de poucos centavos, usuários transformaram o Pix em rede de paquera usando chave de identificação da transação. Há ainda influenciadores digitais e grupos em redes sociais em que pessoas divulgam chaves pedindo depósitos em determinado valor, e relacionado os custos a um determinado tipo de aprovação.  As informações são do  Extra.

Especialistas alertam, no entanto, que o uso, aparentemente inofensivo da ferramenta, guarda riscos como acesso a dados, fraudes, invasão de contas e até assédio.

Nas redes sociais, uma série de usuários relata ter enviado depósitos com valores baixos para paquerar pelo Pix, aproveitando o espaço da identificação da transação para trocar mensagens.

Para a designer de produtos Isabelle Fengler, de 20 anos, o "PixTinder" começou como uma brincadeira. Ela soube das trocas de mensagens no meio de pagamento através de redes sociais e decidiu colocar uma de suas chaves Pix no perfil da rede de relacionamentos. Já recebeu três mensagens com transferência de recursos de baixo valor.

— São pessoas que eu não dei o “match” no Tinder, e por isso não poderiam me enviar mensagens por lá. Eles usam o Pix para chamar a atenção e pedir para aceitá-los.

Até para resolver conflitos a ferramenta tem sido usada. Foi o caso de Chrystian Santanna, de 25 anos, que namora a Amanda Costa, de 24, há oito anos. O casal tinha se desentendido e Amanda o bloqueou nas redes e ligações. A solução encontrada por Chrystian foi enviar um Pix:

— Apareceu no celular uma notificação do aplicativo do banco e me surpreendi, aí quando vi era um Pix dele no valor de dois reais. Achei engraçado a forma como ele tentou entrar em contato comigo e na hora até passou a raiva.

Já o produtor multimídia Edu Moraes, de 22 anos, também recebeu um pedido de desculpas de um amigo através de mensagem do PIX. Os dois se desentenderam e um bloqueou o outro em uma rede de troca de mensagens:

— Um amigo, que nos afastamos, estava me devendo R$ 10. Ele transferiu o valore escreveu “Desculpa qualquer, e aqui está o dinheiro”. Eu não respondi — conta Moraes.

Mas, afinal, o que nos ajuda a compreender o fenômeno do uso do Pix como rede social? Para Fábio Mariano Borges, professor de sociologia do consumo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM SP), a utilização do sistema do Banco Central para flertes tem origem na forma como a sociedade brasileira encara os relacionamentos afetivos.

— Em uma sociedade como a nossa, que é muito conservadora e opressora nas suas manifestações de afeto, quando as pessoas têm a oportunidade de flertar sem serem vistas ou julgadas, elas vão extravasar.

Borges lembra ainda que não é a primeira vez em que o brasileiro transforma o uso de plataformas digitais para a busca de relacionamentos:

— Esse fenômeno já se manifestou anteriormente no Instagram e também no Linkedin, que é uma rede social de negócios e de busca de oportunidades de trabalho. A gente já percebe que é uma característica muito forte no Brasil: os brasileiros utilizam bastante os aplicativos para a busca de relacionamento. Essa é uma característica do brasileiro.


Mimos inusitados

O Pix também está sendo usado para a troca de “mimos” em redes sociais. No Facebook, o “Grupo onde homens enviam Pix para mulheres”, criado em novembro do ano passado, reúne mais de 13 mil pessoas interessadas em receber ou dispostas a dar recursos financeiros por meio da plataforma.

Lolla Ferreira, uma das moderadoras do grupo, explica que a ideia é criar um espaço para participantes se conhecerem e se divertirem. E, de quebra, ajudar alguém que precise.

— Se você tem alguns centavos sobrando na sua conta, que não dá nem para sacar, por que não transferir para alguém que está juntando para comprar um lanche ou um doce e fazer alguém feliz? — diz Lolla, contando já ter recebido vários “mimos”, com valores entre R$ 0,10 e R$ 10.

As transferências, em geral, são de valores pequenos, e o grupo é movimentado com várias brincadeiras criadas pelos participantes, que oferecem “mimos” para as histórias mais engraçadas, ou fotos mais criativas, por exemplo. Também há pedidos de ajuda e, claro, muita paquera.

A moderação revisa todas as publicações, proibindo fotos de cunho sexual para chamar atenção e a exploração da imagem de crianças em pedidos de ajuda. Mas nas conversas privadas entre os participantes acontece a troca de nudes por transferências financeiras.

— No grupo rola muita venda de packs (fotos e vídeos de pessoas nuas), o que tentamos barrar. Mas o que acontece no privado não temos como controlar — diz Lolla — Mas tem muita gente que manda um Pix sem segundas intenções.

O gerente de banco Vagner Castro, de 27 anos, criou um perfil em uma rede social para registrar as mensagens inusitadas feitas em transferências via Pix. Intitulada “PixLovers”, a página de humor coleciona histórias enviadas pelos próprios seguidores. Os casos vão desde o envio de um Pix no valor de R$ 2 convidando para um encontro, até a transferência de R$ 200 feita por um rapaz como agradecimento por uma foto dos pés da moça.

Usuários estão expostos a riscos de fraude

Embora possa parecer inofensiva, a utilização do Pix para paquera vem despertando duas preocupações entre os especialistas. A primeira sobre os limites e sobrecarga do sistema do Banco Central (BC) com a multiplicação de transferência de valor tão baixo. Outro é sobre a possibilidade de vazamento de dados pessoais dos usuários que estão compartilhando informações sensíveis em redes sociais ao divulgar uma chave Pix com número de CPF, telefone celular ou e-mail.

—Se o Banco Central perceber que está disseminado, pode ser que imponha algum valor mínimo, de R$ 5 por exemplo, na transação para desestimular este comportamento — explica Filipe Pires, coordenador do MBA de finanças do Ibmec RJ.

Elis Monteiro, especialista em Marketing Digital e Consultora de Digital, avalia que os usuários correm risco:

— As pessoas ainda não têm noção do risco que elas correm de clonagem e fraudes, como com número de telefone que já acontece nas contas de Whatsapp. Além disso, em alguns casos pode se tornar abusivo e virar assédio já que não há formas de bloqueio.

BC estuda o bloqueio de recursos suspeitos

O próprio Banco Central já estuda a criação de mecanismos para aumentar a segurança dos usuários. Uma delas permitiria que o próprio banco ou fintech possa devolver recursos recebidos se tiver uma “fundada suspeita de fraude” ou falha operacional. A ferramenta poderá ser disponibilizada ainda em 2021.

Henrique Castro, professor de finanças da FGV EESP, acredita que os bancos e fintechs têm papel importante na implementação de mecanismos de segurança para os usuários.

— É um uso potencialmente perigoso. A fragilidade é ter a conta invadida, o que é um problema grave já que uma pessoa teria acesso à sua conta e poderia fazer operações. Alguns bancos estão implementando bloqueios de certos caracteres no envio de mensagens via Pix que poderiam facilitar o uso de links que poderiam ser usados como meio para clonar a chave e dar acesso à conta. Além disso, por causa do recebimento indesejável de mensagens, alguns usuários já tiveram que descadastrar uma chave do Pix com seu CPF, celular ou e-mail, por exemplo, e optar a utilização da chave Pix com senha aleatória — afirma o professor.

O professor Felipe Pires acredita que as transformações na utilização do Pix já entraram no radar do Banco Central e podem impactar nos próximos passos de desenvolvimento do meio de pagamento e de suas funcionalidades:

— O saque em dinheiro no varejo via Pix, que está em estudo para entrar em prática em 2021, é uma das operações que podem ser impactadas porque demanda maior segurança pode ser que essa de utilização não pensada impacta na operação. Eles estão estudando o que está acontecendo e ajustes estão no radar para os próximos três meses — ressalta Pires.


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