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Fase mais crítica da pandemia da Covid-19 deixa a rede hospitalar à beira do colapso em vários estados brasileiros

 

Paciente com Covid-19 é transferido de hospital em Brasília Foto: Pablo Jacob

Transferência de pacientes para outros estados por falta de vagas em UTIs. Corpos alocados em contêineres por não haver mais espaço em necrotérios. UPAs funcionando como hospitais. Enfermeiros e médicos trabalhando no limite, sem férias há dois anos e sem o reconhecimento das “palmas nas janelas”. Pesoas recorrendo à Justiça para conseguir a internação de parentes. Profissionais de saúde tendo que decidir quem terá ou não tratamento. Falta de aviões para levar pacientes aos hospitais com mais vagas e de covas para enterrar quem perdeu a batalha para a Covid-19. Esse é o retrato da fase mais crítica da pandemia no Brasil.   As informações são do  Extra.

Histórias que se repetem de Norte a Sul do país, expondo dramas que vão além dos números recordes de mortos e da angústia da espera por leitos hospitalares, que atingia ao menos 2.173 pessoas em todo o país na noite de sexta-feira, em uma conta que só cresceu nos últimos dias. Realidade causada, segundo especialistas, pela negligência do governo federal e pelo descaso da população, agravada por variantes mais contagiosas do novo coronavírus. Um país que tenta silenciosamente salvar vidas, sem tempo sequer para reclamações ou “mimimis”, termo usado pelo presidente Jair Bolsonaro, na última quinta-feira, ao falar sobre a pandemia e questionar: “Vão ficar chorando até quando?”.

Poupado na primeira onda da pandemia, Santa Catarina tinha 291 pacientes na fila da UTI anteontem — ao menos 36 pessoas já morreram lá à espera de vaga de tratamento intensivo. O estado, que tem o sexto maior PIB do Brasil, chegou a pedir ao governo federal remessas extras de relaxantes musculares usados na intubação de pacientes. Ricardo Vieira, clínico geral na capital Florianópolis, sofre com isso:

— Hoje (sexta-feira) uma colega me disse que pela primeira vez teve que escolher quem ia pra UTI, e eu mesmo já experimentei e tenho experimentado isso. É o tipo da coisa que a gente não está preparado para enfrentar. A gente sai do trabalho, mas não consegue tirar essa situação da cabeça — afirma Vieira.

Em Porto Alegre (RS), onde a ocupação dos leitos de UTI chegou a 100%, a chamada “escolha de Sofia” também se tornou realidade entre médicos. Alexandre Zavascki, infectologista do Hospital Moinhos de Vento — que alugou um contêiner para armazenar corpos até serem retirados após faltar espaço no necrotério — e do Hospital de Clínicas, chega a embargar a voz ao descrever o que tem enfrentado na capital gaúcha:

— Comecei a semana dizendo para a família do paciente que ele não poderia ir para a UTI e que faleceria na enfermaria. É uma decisão muito difícil — conta o médico. — A gente se acostumou a dar notícia da morte dos pais e avós com Covid para filhos e netos. Mas agora estamos falando com as mães e os pais: “O seu filho não está respondendo”.

A “tempestade perfeita” do colapso nacional ocorre quando situações como essas são vividas em estados tão diferentes como o Paraná, com 811 pessoas na fila por leitos, e Tocantins, com 90% da ocupação hospitalar. Na última terça-feira, a Central de Regulação de Vagas do Estado de São Paulo recebeu, em apenas um dia, 901 pedidos de internações, um a cada dois minutos.

UPA de Salvador tem “gripário”

Diante da situação crítica da rede país afora, postos de saúde, que deveriam ser voltados somente para o atendimento básico, como as UPAs, funcionam, na prática, como hospitais:

— Pacientes que deveriam apenas receber o tratamento de emergência em UPAs ficam dois, três dias internados, esperando vaga em São Paulo — afirma Gerson Salvador, infectologista do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), ressaltando que há situações ainda piores .

Para tentar evitar que pacientes com suspeita de Covid tenham contato com outros pacientes, a Prefeitura de Salvador (BA) criou seis “gripários”, salas separadas nas UPAs para quem pode estar infectado pelo coronavírus.

— Conseguimos dobrar o número de leitos que tínhamos. Se não fosse isso, já teríamos chegado ao colapso, algo que quase aconteceu na quinta-feira, o pior dia da minha vida — afirmou o secretário de saúde da capital baiana, Léo Prates.

Muitos familiares tentam recorrer à Justiça para atender a um parente. Mas nem sempre a resposta chega a tempo. Cassia Lopes Rodrigues, de 31 anos, morreu no dia 26, grávida de 21 semanas, horas após conseguir a decisão por um leito em Itacoatiara, no Amazonas.

Sem vaga, mesmo com ordem judicial

Em Bauru, o interior paulista, o EXTRA encontrou dez processos com sentenças obrigando o governo a disponibilizar vaga ou pagar por uma na rede privada. Uma delas é favorável a Lais Regina, que é diabética e estava com saturação de oxigênio de 45%, quando o nível normal é de 95%.

— É desesperador. Tivemos que buscar um advogado para correr atrás dessa vaga, mas o que ouço é que não tem mais leito em lugar nenhum — disse Marcelo Queiroz, marido de Lais Regina.

No Pará, não há nem tempo para a Justiça atuar. Na última quarta-feira, centenas de pessoas aguardavam atendimento diante do Hospital de Campanha do Hangar, na capital Belém. Dentro da unidade, a rotina de falta de especialistas, medicamentos e equipamentos. Um drama a mais para os profissionais de saúde.

— Vieram para cá dois grandes amigos. Uma delas trouxe a mãe dela e a irmã, ambas com Covid. E meu outro colega trouxe o sogro e a sogra com Covid. É uma situação complicada com pouquíssimos leitos — disse a infectologista Helena Brígido, professora da Universidade Federal do Pará.

Em uma hora, três mortes

Em um grupo de Whatsapp de médicos de Pernambuco, o clima é de terror. “Na última hora foram três óbitos”, diz um médico em um dos grupos ao qual o site extra teve acesso. “Hoje chorei. Tudo voltando. Passou um ano e não saímos do lugar”, responde outro.

No grupo, havia também o lamento da suspensão, por tempo indeterminado, das férias de médicos e enfermeiros. A medida já havia sido adotada ano passado, ou seja, afetou agora novamente profissionais de saúde que, sobrecarregados, estão há mais de dois anos trabalhando sem parar. Desde o início da pandemia, 1.199 médicos e enfermeiros morreram de Covid-19.

— Parece que ninguém pensa nos profissionais de saúde. No começo tinha aquele lance de bater palma, de nos homenagear. Hoje não tem nada disso, estamos trabalhando no limite, físico e psicológico — afirmou Bruno Ishigami, infectologista na Clínica do Homem, no Recife (PE).

Porto Velho, em Rondônia, viu o número de sepultamentos crescer 80% entre janeiro e fevereiro e, por isso, negocia a compra de 1.800 gavetas em cemitérios particulares para enterrar vítimas da doença. O impacto da piora da situação chegou também às UTIs aéreas. Algumas empresas tiveram aumento de até 600% no serviço de remoção de pacientes:

E dramas pessoais se acumulam. Eram 22h23 de quinta-feira, quando a bancária Daiane Varella, de 32 anos, enviou uma mensagem pelo WhatsApp para o namorado Thales Barreto, de 34: “Amor, vou intubar. Não sei quanto tempo”.

— Minha mulher está intubada não porque foi em festa clandestina. Ela está intubada porque foi trabalhar e porque o presidente diz que é mimimi. Não é mimimi, não — disse Barreto.

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